Marcos, evangelista do ano



MARCOS, um Evangelho sem Natal: 
Que Boa-Nova? 

Herculano Alves, ofmcap. 


Depois de quase 20 séculos de Cristianismo, cada um dos quatro Evangelhos continua a cativar a atenção dos dois mil milhões de cristãos em todos os continentes e culturas. Cada um com o seu atractivo, as suas mil cores e sobretudo pela presença multiforme da pessoa do Filho de Deus, que, aí, continua a chamar discípulos e a apontar caminhos de renovação da humanidade. Por isso, cada um dos Evangelhos é um caso à parte e deve ser estudado independentemente dos outros.

Marcos, um Evangelho querigmático
Costuma dizer-se que o Evangelho de Marcos é um Evangelho querigmático, isto é, apresenta as verdades fundamentais (quérigma, anúncio), acerca das acções e palavras de Cristo, pronunciadas (apenas) durante a sua vida pública. De facto, este Evangelho inicia com um título que é já um autêntico resumo de todo o seu texto e dos temas principais:

«Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus» (1,1).

Ora, este princípio de Marcos não é uma narrativa da Infância de Jesus, mas algo que aconteceu muito depois disso: o evangelista começa a falar da pregação de João Baptista, que consistia precisamente no anúncio do profeta da Galileia:
«Uma voz clama no deserto:
“Preparai o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas.”
João Baptista apareceu no deserto,
a pregar um baptismo de arrependimento
para a remissão dos pecados» (1,3-4).

Este perdão dos pecados consistia precisamente na acção do Messias-Jesus (1,7-8):
“Depois de mim vai chegar outro que é mais forte do que eu, diante do qual não sou digno de me inclinar para lhe desatar as correias das sandálias. Eu baptizei-vos em água, mas Ele há-de baptizar-vos no Espírito Santo.”
Seguidamente, Jesus aparece para ser baptizado por João (1,9-11); segue-se o breve texto das tentações no deserto (v.12-13); e logo, no v.14, inicia a sua pregação na Galileia. Ou seja, em 13 breves versículos, Marcos dá-nos o princípio, a introdução, ao Evangelho, sem se deter noutros pormenores.
Marcos segue o critério dos arautos dos reis e imperadores, que eram enviados a anunciar pelo reino as notícias importantes (verbo kerussô, que dá origem à acção: ké-rigma). Como tinham que percorrer grandes distâncias, davam a notícia rápida e resumidamente e seguiam para outra cidade. Assim procedeu Marcos: apresenta apenas as notícias imprescindíveis, muito resumidas e, por isso, nem sequer nos transmite muitos discursos de Jesus: apenas dois (capítulo 4 e 13) e bastantes discussões com os fariseus. Assim, este Evangelho prima pela smplici-dade, na trama e na linguagem directa com que nos transmite a imagem de Jesus.

Os Evangelhos da Infância de Mateus e Lucas são “pormenores” do Evangelho?
Para muitas pessoas, as narrativas do nascimento e infância de Jesus são mesmo importantes. Infelizmente isso manifesta que desconhecem a essência, dos Evangelhos, que são a mensagem central do Cristianismo. Para Marcos, para Paulo e para os primeiros escritores cristãos, o coração da Boa-Nova de Jesus é a sua Palavra, as suas acções miraculosas e o dom da sua vida na Paixão-Ressurreição. Estas acções divinas, realizadas em Jesus e por Jesus, pretendiam mostrar que Deus estava em acção no mundo, por meio dele, para salvar do mal a huma-nidade decaída e em crise permanente.
Neste sentido, para Marcos e outros escritores, as narrativas referentes ao Natal são “pormenores” importantes, mas não essenciais ao Evangelho. Porque não fazem parte propriamente do “evangelho”, isto é, das palavras que Jesus anunciou. Mas são uma espécie de posfácio do Evangelho, isto é, meditações finais sobre o mesmo, para mostrar ao leitor que Jesus era o Filho de Deus, não apenas depois da sua ressurreição, mas já no seu nascimento e infância.
É nesta perspectiva que devem ser lidos os dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas. E referimos estes dois Evangelhos, porque são os únicos que seguiram a “história” que Marcos construiu acerca de Jesus e da sua mensagem, a que foi dado o nome literário “evangelho” (Boa-Nova). Por esse motivo, Marcos, Mateus e Lucas são chamados “Evangelhos Sinópticos”, porque têm o mesmo esquema geral, resumindo três anos da vida pública de Jesus num único ano. João não seguiu este esquema.
Mateus e Lucas colocaram essa reflexão final no início, numa aparente ordem cronológica, dando, assim, origem aos dois Evangelhos do Natal. Quanto ao resto, seguiram, passo a passo, o texto de Marcos, acrescentando outros documentos que possuíam acerca da vida pública de Jesus, sobretudo da sua pregação. Por isso, os seus Evangelhos são mais longos, porque também incluem discursos de Jesus: Mateus tem 28 capítulos e Lucas 24, enquanto Marcos só tem 16.

Um Evangelho voltado para a paixão-ressurreição 
Enquanto os outros dois Sinópticos se comprazem em apresentar longamente Jesus “doutor da nova Lei” (Mateus) e o Deus da misericórdia presente no mundo (Lucas), Marcos, em 3,6 já apresenta Jesus destinado à morte: «Os fariseus reuniram-se com os partidários de Herodes para deliberar como haviam de matar Jesus.»
Por isso, alguém disse que o Evangelho de Marcos é uma preparação, um “prefácio da Paixão”. Para ele, isso significa que foi/é no dar a vida pelos outros que se encontra o coração de Cristo e do Cristianismo, como Ele próprio afirmou, antes de morrer e ressuscitar: «Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos» (Mc 10,45).

Se o Natal não for a confirmação desta verdade cristã por excelência – servir, dando a vida pelos outros – deixa de ser Natal cristão. Neste sentido, o Natal de Marcos é outro bem diferente e mais difícil: não consiste apenas em contemplar o Menino Jesus, mas em fazê-l’O nascer no coração de uma nova humanidade ao serviço aos outros. E esta é uma Boa Nova que o mundo de hoje precisa de ouvir e ver no anúncio e na vivência do Evangelho de Jesus. A começar pelo modo – cristão ou pagão – como celebramos o seu Nascimento na igreja, em casa e nas ruas. 
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Artigo publicado na revista BÍBLICA 337
(Novembro-Dezembro de 2011), pp. 21-23

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Um evangelho enigmático e desconcertante
O evangelho de Marcos não deixa o leitor indiferente. Provoca no leitor interrogações acerca da sua confissão de fé. Ao mesmo tempo, junta-se a ele nos seus temores e nas suas incompreensões diante do mistério da identidade de Jesus. Convidado a tornar-se discípulo, o leitor é confrontado com o retrato de discípulo esboçado por Marcos.


Introdução ao evangelho de Marcos retirada da Bíblia da Difusora Bíblica:
A tradição antiga, que remonta ao séc. II, atribui o texto deste Evangelho a Marcos, identificado com João Marcos, filho de Maria, em cuja casa os cristãos se reuniam para orar (Act 12,12). Com Barnabé, seu primo, Marcos acompanha Paulo durante algum tempo na primeira viagem missionária (Act 13,5.13; 15,37.39) e depois aparece com ele, prisioneiro em Roma (Cl 4,10). Mas liga-se mais a Pedro, que o trata por «meu filho» na saudação final da sua Primeira Carta (1 Pe 5,13). Marcos terá escrito o Evangelho pouco antes da destruição de Jerusalém, que aconteceu no ano 70. 
O Evangelho de Marcos reflecte a catequese que Pedro, testemunha presencial dos acontecimentos, espontâneo e atento, ministrava à sua comunidade de Roma. É o mais breve dos quatro e situa-se no Cânon entre os dois mais extensos Mateus e Lucas e a seguir a Mateus, o de maior uso na Igreja. Até ao séc. XIX, Marcos foi pouco estudado e comentado, para não dizer praticamente esquecido. Santo Agostinho considerava-o como um resumo de Mateus.
A investigação mais aprofundada desde o século passado, à volta da origem dos Evangelhos, trouxe Marcos à luz da ribalta; hoje, é geralmente considerado o mais antigo dos quatro. Na verdade, supõe uma fase mais primitiva da reflexão da Igreja acerca do Acontecimento Cristo, que lhe deu origem; e só ele conserva o esquema da mais antiga pregação apostólica, sintetizada em Actos 1,22: começa com o baptismo de João (1,4) e termina com a Ascensão do Senhor (16,19).
É comum afirmar-se que todos os outros Evangelhos, sobretudo os Sinópticos, supõem e utilizaram mais ou menos o texto de Marcos, assim como o seu esquema histórico-geográfico da vida pública de Jesus: Galileia, Viagem para Jerusalém, Jerusalém.

Ler o evangelho na tradução da Difusora Bíblica

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